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segunda-feira, 7 de julho de 2014

COMO UM MÉTODO DE ENSINO RADICAL PODE CRIAR MUITO GÊNIOS

COMO UM MÉTODO DE ENSINO RADICAL PODE CRIAR MUITO GÊNIOS



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A Escola Primária José Urbina López fica ao lado de uma lixeira na fronteira do México com os EUA. A escola atende moradores de Matamoros, uma cidade empoeirada de 489.000 habitantes, que luta uma extensa guerra contra as drogas. Por lá, há tiroteios regulares, e não é incomum encontrar corpos espalhados na rua pela manhã.

Para chegar à escola, os alunos precisam andar ao longo de uma estrada de terra branca que se assemelha a um canal fétido. É possível ver, pelo caminho, um trator de 1940, um barco em decomposição em uma vala e um rebanho de cabras mordiscando fios cinzentos de grama. Uma barreira de blocos de concreto separa a escola de uma enorme pilha de lixo. Na maioria dos dias, um cheiro podre paira nas salas de aula com paredes de cimento.
Paloma Noyola Bueno é uma estudante desta escola. Mais de 25 anos atrás, sua família mudou-se para a fronteira da região central do México em busca de uma vida melhor. Em vez disso, ficaram presos ao lado da lixeira. Seu pai vasculha sucata, cavando peças de alumínio, vidro e plástico da lama. Recentemente, ele desenvolveu hemorragias nasais, mas não queria que Paloma se preocupasse. Ela era seu anjinho – a mais nova de oito filhos.
Até pouco tempo, a escola nunca tinha sido um desafio para Paloma. Ela sentava-se em sua cadeira com os outros alunos, enquanto professores diziam aquilo que eles precisavam saber. A garota tinha boas notas, e não precisava pensar muito.
Sergio Correa Juárez estava acostumado a ensinar esse tipo de classe. Durante cinco anos, ele ficou em pé na frente de estudantes aplicando o mesmo tedioso currículo determinado pelo governo – até que chegou à conclusão de que isso era uma perda de tempo. Os resultados dos testes eram ruins, e até mesmo os estudantes que iam bem não pareciam verdadeiramente engajados. Alguma coisa tinha que mudar.
Sergio também havia crescido ao lado de um depósito de lixo em Matamoros, e se tornou professor para ajudar as crianças a aprender o suficiente para fazer algo mais de suas vidas. Então, em 2011, quando Paloma entrou em sua classe, Juárez Correa decidiu começar a experimentar.
Ele começou a ler livros e procurar ideias online. Logo, tropeçou em um vídeo que descrevia o trabalho de Sugata Mitra, professor de tecnologia educacional da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. No final de 1990 e durante toda a década de 2000, Mitra conduziu experimentos em que deu a crianças na Índia acesso a computadores. Sem qualquer instrução, elas foram capazes de ensinar-se uma surpreendente variedade de coisas, desde a replicação do DNA a inglês.

O risco que valeu a pena

Sergio Correa decidiu, assim, inverter seus métodos de ensino, revelando habilidades extraordinárias na pequena estudante de 12 anos, Paloma Bueno.
Em 21 de agosto de 2011, o início do ano letivo no México, ele entrou em sua sala de aula e uniu as mesas de madeira em pequenos grupos. Quando Paloma e os outros alunos entraram, olharam confusos. Correa convidou-os a se sentar, e fez o mesmo.
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Ele começou dizendo-lhes que havia crianças em outras partes do mundo que podiam decorar o número pi a centenas de casas decimais. Eles podiam escrever sinfonias e construir robôs e aviões. A maioria das pessoas não pensaria que os alunos da José Urbina López poderiam fazer esses tipos de coisas. As crianças do outro lado da fronteira em Brownsville, no Texas, tinham laptops, internet de alta velocidade e tutoria, enquanto em Matamoros os alunos tinham eletricidade intermitente, alguns computadores, internet limitada e às vezes não o suficiente para comer.
“Mas vocês têm uma coisa que lhes torna igual a qualquer criança no mundo”, disse. “Potencial”.
Ele olhou ao redor da sala. “E a partir de agora, vamos usar esse potencial para fazer os melhores estudantes do mundo”.
Paloma estava em silêncio, esperando que lhe dissessem o que fazer. Ela não percebeu que, ao longo dos próximos nove meses, a sua experiência de escola seria reescrita, levando-a, e alguns de seus colegas, para o topo do ranking de matemática e linguagem no México.
“Então”, disse Correa, “o que vocês querem aprender?”.

Escolas matam a criatividade

Correa não sabia disso, mas tinha adotado uma filosofia educacional emergente que se aplica a lógica da era digital para a sala de aula. Essa lógica é inexorável: o acesso a um mundo de informação infinita mudou a forma como nos comunicamos, processamos informações e pensamos.
Sistemas descentralizados têm se provado mais produtivos e ágeis do que os rígidos, que funcionam de cima para baixo. Inovação, criatividade e pensamento independente são cada vez mais cruciais para a economia global.
E, ainda assim, por mais incrível que pareça, o modelo dominante do ensino público permanece fundamentalmente enraizado na revolução industrial que o gerou, quando os locais de trabalho valorizaram pontualidade, regularidade, atenção e silêncio acima de tudo.
Em 1899, William T. Harris, o comissário de educação dos EUA, comemorou o fato de que as escolas norte-americanas haviam desenvolvido a “aparência de uma máquina”, aquela que ensina o aluno a “se comportar de uma forma ordenada, ficar em seu lugar e não atrapalhar os outros”. Nós não professamos abertamente esses valores hoje em dia, mas o sistema educacional em praticamente todo o mundo rotineiramente testa crianças na sua capacidade de recordar informações e demonstrar o domínio de um conjunto restrito de habilidades, delineamento exatamente essa visão antiga de que os alunos são materiais a serem processados, programados e avaliados.
As escolas possuem padrões curriculares com muita pouca flexibilidade. Legiões de gerentes supervisionam tudo o que acontece na sala de aula e muitos dos funcionários nas escolas públicas sequer são professores. Os resultados falam por si: centenas de milhares de crianças abandonam a escola pública a cada ano.
“A base fundamental do sistema é fatalmente falho”, diz Linda Darling-Hammond, professora de educação na Universidade de Stanford (EUA) e diretora fundadora da Comissão Nacional de Ensino e Futuro da América. “Em 1970, as três principais competências exigidas pela Fortune 500 eram leitura, escrita e aritmética. Em 1999, as três principais habilidades em demanda eram trabalho em equipe, resolução de problemas e habilidades interpessoais. Precisamos de escolas que desenvolvam essas habilidades”.
É por isso que uma nova geração de educadores, inspirados pela internet, psicologia evolutiva, neurociência e inteligência artificial está inventando novas formas radicais para as crianças aprenderem, crescerem e prosperarem. Para eles, o conhecimento não é uma mercadoria entregue de professor para aluno, mas algo que emerge da própria exploração movida a curiosidade dos alunos. Professores devem fornecer instruções, e não respostas, e então se afastarem para que os alunos possam ensinar a si mesmos e uns aos outros. Dessa forma, essas pessoas deixam as crianças descobrirem suas paixões,fomentando uma geração de gênios no processo.

Crianças no comando

Em 1999, Sugata Mitra era cientista-chefe de uma empresa em Nova Deli que treinava desenvolvedores de software. Seu escritório ficava à beira de uma favela, e, um dia, ele decidiu colocar um computador em uma parede que separava seu edifício da favela. Ele estava curioso para ver o que as crianças fariam, especialmente se ele não dissesse nada. Para sua surpresa, as crianças rapidamente descobriram como usar a máquina.
Ao longo dos anos, Mitra tem sido mais ambicioso. Em um estudo publicado em 2010, ele colocou um computador com materiais de biologia molecular em Kalikuppam, uma vila no sul da Índia. Ele selecionou um pequeno grupo de crianças de 10 a 14 anos e disse-lhes que havia algumas coisas interessantes no computador, e que eles poderiam dar uma olhada. Em seguida, aplicou seu novo método pedagógico: foi embora.
Nos próximos 75 dias, as crianças entenderam como usar o computador e começaram a aprender. Quando Mitra voltou, ele administrou um teste escrito sobre biologia molecular. As crianças responderam cerca de uma em cada quatro perguntas corretamente. Depois de mais 75 dias e com a ocasional ajuda de um local, elas respondiam qualquer pergunta corretamente. “Se você colocar um computador na frente de crianças e remover todas as outras restrições, elas vão se auto-organizar em torno dele”, afirma Mitra.
Um pregador carismático e convincente, Mitra se tornou um queridinho no mundo da tecnologia. No início de 2013, ele ganhou uma bolsa de US$ 1 milhão (cerca de R$ 2 mi) do TED, a conferência de ideias global, para prosseguir a sua obra. Ele agora vai criar sete escolas “na nuvem”, cinco na Índia e duas no Reino Unido.
Na Índia, a maioria de suas escolas serão edifícios de um só cômodo. Não há professores, currículo ou separação em grupos etários – apenas seis ou mais computadores e uma pessoa para cuidar da segurança das crianças. Seu princípio definidor é: “As crianças estão totalmente no comando”.
Mitra argumenta que a revolução da informação tem possibilitado um estilo de aprendizagem que não era possível antes. O exterior de suas escolas serão principalmente de vidro, de modo que pessoas de fora possam espiar dentro. No interior, os alunos se reunirão em grupos em torno de computadores e tópicos de investigação que lhes interessam. Ele também recrutou um grupo de professores britânicos aposentados que vão aparecer ocasionalmente em grandes telas via Skype, incentivando os alunos a investigar as suas ideias, um processo que Mitra acredita que promove a aprendizagem. “Eles vão ser de tamanho natural, em duas paredes, e as crianças sempre poderão desligá-los”, conta.

Ideia nova, filosofia velha

O trabalho de Mitra tem raízes em práticas educativas que remontam a Sócrates. De Johann Heinrich Pestalozzi para Jean Piaget e Maria Montessori, teóricos têm argumentado que os alunos devem aprender brincando e seguindo a sua curiosidade.
Einstein passou um ano em uma escola de inspiração Pestalozzi, em meados da década de 1890, e, mais tarde, o creditou com dar-lhe a liberdade para começar suas primeiras experiências sobre a teoria da relatividade. Fundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin afirmam de forma semelhante que sua escolaridade Montessori os imbuiu com um espírito de independência e criatividade.
Breve história das escolas alternativas
470 aC
Sócrates nasce em Atenas. Ao longo dos anos, se torna um professor famoso por permitir que os alunos cheguem às suas próprias conclusões. Seu questionamento e técnica de investigação filosófica – o método socrático – perdura até hoje.
1907
Maria Montessori abre sua primeira Casa das Crianças, em Roma, onde as crianças são incentivadas a brincar e ensinar a si mesmas. Americanos mais tarde visitam suas escolas e levam o método Montessori para o resto do mundo.
1919
A primeira escola Waldorf abre em Stuttgart, Alemanha, com base nas ideias do filósofo Rudolf Steiner, que incentiva a aprendizagem automotivada. Hoje, existem mais de 1.000 escolas Waldorf em 60 países.
1921
A. S. Neill funda a Escola de Summerhill, onde as crianças têm a “liberdade de ir às aulas ou não”, e “a liberdade de brincar por dias ou anos, se necessário”. Eventualmente, essas escolas democráticas aparecem ao redor do mundo.
1945
Loris Malaguzzi se voluntaria para ensinar em uma escola que seus pais estavam construindo em uma vila italiana devastada pela guerra em Reggio Emilia. A “abordagem Reggio Emilia”, uma comunidade de aprendizagem autoguiada, nasce.
1967
Seymour Papert, um protegido do psicólogo infantil Jean Piaget, ajuda a criar a primeira versão de Logo, uma linguagem de programação que as crianças podem usar para ensinar a si mesmas. Ele se torna um defensor do papel da tecnologia na aprendizagem.
1999
Sugata Mitra realiza seu primeiro experimento em Nova Deli, na Índia. Por conta própria, crianças de favelas se ensinam a usar um computador. Mitra dubla sua abordagem de educação minimamente invasiva.
2006
Ken Robinson dá o que se tornou a palestra TED mais frequentemente vista da história: “Como as escolas matam a criatividade”. Segundo ele, estudantes devem ser livres para cometer erros e perseguir seus próprios interesses criativos.

Evidência científica

Nos últimos anos, pesquisadores começaram a apoiar essas teorias educacionais com provas. Em um estudo de 2011, cientistas da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e da Universidade de Iowa (ambas nos EUA) examinaram a atividade cerebral de 16 pessoas sentadas em frente a uma tela de computador.
A tela estava embaçada, exceto em uma janela na qual os indivíduos podiam vislumbrar objetos dispostos em uma grade. Metade do tempo, os sujeitos controlavam a janela, permitindo-lhes determinar o ritmo em que examinavam os objetos. No resto do tempo, eles assistiram a uma reprise de outra pessoa movendo a janela.
O estudo descobriu que quando as pessoas controlam suas próprias observações, elas exibem uma maior coordenação entre o hipocampo e outras partes do cérebro envolvidas na aprendizagem. Cientistas registraram uma melhoria de 23% na sua capacidade de lembrar-se dos objetos.
“A conclusão é, se não é você que está controlando o seu aprendizado, você não irá aprender tão bem”, diz o pesquisador Joel Voss, hoje neurocientista da Universidade de Northwestern (EUA).
Em 2009, cientistas da Universidade de Louisville e do Departamento de Ciências Cerebrais e Cognitivas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) conduziram um estudo com 48 crianças com idades entre 3 e 6 anos.
As crianças foram presenteadas com um brinquedo que fazia barulho, tocava notas e refletia imagens, entre outras coisas. Em alguns casos, um pesquisador demonstrou um único atributo do brinquedo e, em seguida, deixou as crianças brincarem com ele.
Outro conjunto de crianças não recebeu nenhuma informação sobre o brinquedo. Este grupo jogou mais e descobriu uma média de seis atributos do brinquedo. O grupo com instruções descobriu apenas cerca de quatro.
Um estudo semelhante de Alison Gopnik na Universidade de Berkeley (EUA) demonstrou que as crianças que não recebem instrução são muito mais propensas a chegar a novas soluções para um problema.
A pesquisa de Gopnik é inspirada nos avanços na inteligência artificial. Se você programar cada movimento de um robô, diz ela, ele não consegue se adaptar ao inesperado. Mas quando os cientistas constroem máquinas programadas para experimentar uma variedade de movimentos e aprender com os erros, os robôs se tornam muito mais adaptáveis e qualificados. Ela crê que o mesmo princípio se aplica às crianças. [Wired]

Fonte:
http://hypescience.com/como-um-metodo-de-ensino-radical-pode-criar-muitos-genios/

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